Introdução

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão unânime que ressoa profundamente na interseção entre o direito à saúde e os direitos reprodutivos das mulheres. A decisão, proferida em 15 de agosto, estabelece que as operadoras de planos de saúde devem custear o procedimento de criopreservação dos óvulos de pacientes com câncer até o fim do tratamento de quimioterapia.

O Contexto da Decisão

A questão central da decisão envolveu uma mulher com câncer de mama que buscou o direito de ter o congelamento de seus óvulos custeado pelo plano de saúde. A criopreservação, neste caso, é uma medida preventiva diante do risco de infertilidade, um efeito colateral conhecido da quimioterapia.

A operadora de saúde argumentou que o contrato excluía expressamente técnicas de fertilização in vitro, inseminação artificial e outros métodos de reprodução assistida. No entanto, a Terceira Turma do STJ distinguiu entre o tratamento da infertilidade e a prevenção da infertilidade como um possível efeito adverso da quimioterapia.

A Fundamentação Jurídica

A decisão foi fundamentada em várias leis e regulamentos, incluindo a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), a Resolução Normativa 465/2021 da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), e o princípio primum, non nocere (primeiro, não prejudicar).

A ministra relatora, Nancy Andrighi, destacou que a coleta dos gametas é uma das etapas do procedimento de reprodução assistida, cuja exclusão assistencial é permitida. No entanto, ela ressaltou que o artigo 35-F da Lei 9.656/1998 impõe às operadoras de planos de saúde a obrigação de prevenir doenças – como, no caso dos autos, a infertilidade.

A ministra ponderou ainda que é necessário encontrar uma solução que atenda à expectativa da consumidora, de prevenção da infertilidade, sem impor à operadora obrigação desnecessária ou desarrazoada. Com essa finalidade, ela considerou que a obrigação de custear a criopreservação dos óvulos, para a operadora, deve ser limitada à data da alta do tratamento de quimioterapia, cabendo à beneficiária, a partir daí, arcar com os custos do serviço.

Implicações e Precedentes

A decisão do STJ segue um precedente estabelecido em maio de 2020, onde a 3ª Turma determinou que uma operadora de saúde deveria custear a criopreservação de óvulos de paciente até o fim da quimioterapia.

A decisão atual reforça a necessidade de prevenir o dano evitável resultante do tratamento médico. A ministra Nancy Andrighi enfatizou que a infertilidade é um efeito adverso da quimioterapia, previsível e evitável, e que, portanto, pode – e, quando possível, deve – ser prevenido.

Conclusão

A decisão do STJ no processo REsp 1.962.984 representa um marco importante na proteção dos direitos reprodutivos das mulheres, especialmente aquelas em tratamento de câncer. Ela enfatiza a necessidade de prevenir o dano evitável e reconhece a criopreservação dos óvulos como uma parte essencial do tratamento global, garantindo a plena reabilitação da beneficiária ao final do tratamento.

A argumentação exposta pela ministra Nancy Andrighi, ao equilibrar as expectativas da consumidora e da operadora, oferece uma visão equilibrada e justa que pode servir como um guia para futuras decisões judiciais na área da saúde.